Maconha, cocaína e munições foram localizadas na casa onde Rafael residia, na Vila Geni, em Presidente Prudente — Foto: Polícia Militar
Conhecido por prisões em protestos no Brasil e na Ucrânia, Rafael Marques Lusvarghi, de 36 anos, foi preso em Presidente Prudente (SP) com 25 quilos de maconha, uma porção de substância similar à cocaína e 350 munições de calibre 9 mm. O flagrante, registrado pela Polícia Militar na noite deste sábado (8), também teve a apreensão de dinheiro, passaportes, balança de precisão e uma motocicleta de origem suspeita.
Nenhum advogado compareceu à Delegacia da Polícia Civil para representar Rafael.
Em patrulhamento de rotina pela Vila Geni, policiais das Rondas Ostensivas com Apoio de Motocicletas (Rocam) suspeitaram de dois homens que “se assustaram” quando viram a equipe da PM. Ambos estavam em pé, ao lado de um veículo, e foram abordados. Nada de ilícito foi localizado.
Um deles passou dados desencontrados sobre sua identificação, mas depois informou ser Rafael Marques Lusvarghi, natural de Jundiaí (SP). Ele tem vasto histórico de prisões, inclusive em Kiev, na Ucrânia, sob acusação de terrorismo.
Rafael Lusvarghi lutou ao lado das tropas separatistas na Ucrânia — Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal
Com divergências durante os questionamentos da PM, o suspeito de 25 anos acabou por confessar que estava ali para comprar maconha. O suspeito de tráfico, confrontado, informou que venderia quatro gramas de cocaína ao rapaz.
Após as informações sobre drogas, os agentes disseram que seria necessário verificar os documentos pessoais e apurar a existência de substâncias ilícitas na casa de Rafael. Ele, então, confessou que possuía cocaína, munições e grande quantidade de maconha, e em seguida entregou a chave do imóvel aos policiais e autorizou a entrada.
Pouco mais de 25 quilos de maconha foram apreendidos na casa de Rafael Lusvarghi — Foto: Polícia Militar
Na vistoria da casa, os policiais localizaram em um dos quartos uma caixa de papelão e dentro dela 33 tijolos de maconha. Ao lado, em uma bacia, foram encontrados papéis filme, saquinhos zip e R$ 259,70, além de 3,10 euros, uma balança de precisão e um saco plástico contendo cocaína.
Ao lado da porta, dentro de outra caixa de papelão, a PM também encontrou um total de 350 cartuchos íntegros de munição de calibre 9 milímetros.
Ainda no quarto de Rafael foram apreendidos um notebook, vários passaportes, documentos pessoais, uma agenda com anotações e três aparelhos celulares. A polícia apreendeu ainda uma moto.
O outro abordado, questionado, alegou ser usuário de maconha e foi ao local por indicação de um grupo de amigos. O rapaz de 25 anos foi liberado.
De Kiev a Presidente Prudente
Conforme o Boletim de Ocorrência, Rafael foi interrogado sobre o motivo de sua estadia em Presidente Prudente. Ele confirmou que esteve preso em Kiev, na Ucrânia, acusado por participar de organização terrorista, acrescentando que desembarcou no Brasil há cerca de um mês e seguiu para a capital do Oeste Paulista “a procura de emprego, por indicação de um amigo”.
De acordo com o registro, Rafael declarou que algumas semanas atrás, por meio de “contatos”, aceitou guardar entorpecentes e munições em casa a pedido de outras pessoas, supostamente desconhecidas. A função era remunerada em R$ 3.000 por mês.
Com os fatos, confissão e apreensões, Rafael teve a prisão em flagrante ratificada na Delegacia Participativa da Polícia Civil por tráfico de drogas e pela posse ilegal das munições. Foi pedida a prisão preventiva dele, concedida pela Justiça, neste domingo (9).
De acordo com a Polícia Civil, após passar por perícia, o produto que seria cocaína “não foi identificado”. Contudo, foi confirmada a presença de Tetrahidrocannabinol (THC).
Munições de calibre 9 mm foram apreendidas na casa de Rafael Lusvarghi, em Presidente Prudente — Foto: Polícia Militar
Histórico de prisões
Rafael ficou conhecido publicamente em 12 de junho de 2014 ao ser detido no protesto contra a Copa do Mundo, em São Paulo (SP). Naquela ocasião, enfrentou a Polícia Militar sem camisa e levou tiros de bala de borracha. Depois, ao ser contido por diversos policiais, levou um jato de spray de pimenta no rosto.
Acusado de ser adepto da tática black bloc (que consiste em destruir patrimônios públicos para protestar), Rafael ficou 45 dias preso. A Justiça de São Paulo, no entanto, o absolveu das acusações de incitação ao crime, associação criminosa, resistência, desobediência e porte de material explosivo.
Depois de solto, em setembro de 2014, Rafael viajou à Ucrânia. Ele foi o primeiro brasileiro a se juntar às tropas separatistas. Outros 12 brasileiros seguiriam depois. Enquanto esteve combatendo nas forças separatistas, chegou a ser ferido.
Rafael Lusvarghi quando foi preso em São Paulo durante portesto contra a Copa, em 12 de junho de 2014 — Foto: Robson Fernandes/Arquivo Estadão Conteúdo – 12/06/2014
Já na Ucrânia, entre setembro de 2014 a outubro de 2015, o brasileiro lutou contra o exército ucraniano ao lado das tropas militares rebeldes que queriam a independência política de dois territórios do país. Pretendiam criar a República Popular de Donetsk (RPD) e a República Popular de Lugansk (RPL).
Como isso não ocorreu, o ex-combatente retornou ao Brasil após o cessar-fogo. Depois, porém, aceitou proposta de trabalho como segurança de navios ucranianos no Chipre, país no leste do Mar Mediterrâneo.
Porém, ao desembarcar em 6 de outubro de 2016 no Aeroporto Internacional de Kiev-Borispol, na Ucrânia, Rafael foi preso pelo serviço secreto ucraniano, acusado de ser terrorista. A detenção dele foi filmada e divulgada nas redes sociais.
Rafael considerou que sua prisão foi uma emboscada.
Vídeo do Serviço de Segurança da Ucrânia mostra a prisão de Rafael Lusvarghi — Foto: Reprodução/Youtube/Serviço de Segurança da Ucrânia
À época, pela lei ucraniana, o fato de o brasileiro ter lutado contra a Ucrânia caracterizou terrorismo e ele foi acusado pela polícia local de ser “mercenário” e “assassino profissional”.
Ele ficou detido por mais de um ano sob acusação de terrorismo por ter lutado contra o Exército ucraniano ao lado de tropas militares rebeldes até receber liberdade provisória. Na ocasião, o Ministério das Relações Exteriores no Brasil confirmou ao G1, por meio de nota, que o paulista deixou a prisão no dia 18 de dezembro de 2017.
Rafael sempre negou o crime.
Em 25 de janeiro de 2017, o brasileiro foi julgado na Ucrânia pela primeira vez por terrorismo. Naquela ocasião, ele havia sido condenado a 13 anos de prisão pelo crime.
A defesa de Rafael, porém, recorreu, alegando que houve uma série de irregularidades no processo, como ausência de tradução na língua portuguesa e até denúncias de que ele foi torturado para confessar um crime que nega ter cometido.
A Justiça da Ucrânia decidiu então anular aquele julgamento e, consequentemente, a sentença. Em 14 de novembro de 2017, um tribunal ucraniano determinou um novo julgamento e pouco mais de um mês depois, o brasileiro foi solto. Ele deixou a prisão e decidiu seguir sozinho para a Embaixada do Brasil em Kiev.
O G1 não conseguiu localizar representantes do Consulado da Ucrânia em São Paulo para comentar o assunto. A reportagem também não encontrou os advogados de Rafael no Brasil e na Ucrânia para tratarem do caso.
Perfil
Mais velho de quatro irmãos nascidos numa família de origem húngara e de classe média, Rafael é jundiaiense. A mãe professora é separada do pai, empresário em Minas Gerais. Na adolescência, ele fez curso de técnico de agronomia.
Aos 18, Rafael se alistou na Legião Estrangeira, na França, onde serviu por três anos. Na volta ao Brasil, foi soldado da Polícia Militar de São Paulo, entre 2006 e 2007. Depois tentou a carreira de oficial na PM no Pará, mas abandonou em 2009.
Em 2010, ele seguiu para a Rússia para estudar medicina. Tentou entrar para o exército russo, mas não conseguiu e voltou à América do Sul. Afirmou ter entrado no território colombiano, onde ingressou nas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Descontente, retornou ao Brasil. Começou a dar aulas de inglês e trabalhar numa empresa de informática em Indaiatuba, interior paulista. Mas, após ter sido preso pela PM em junho de 2014 durante os atos anti-Copa, perdeu os empregos.
Por Stephanie Fonseca, G1 Presidente Prudente