Em um período de 12 semanas, a variante P.1 da Covid-19, que emergiu em Manaus, elevou sua representatividade nos casos da capital paulista de 0% para 91%. A estimativa foi baseada em amostras de vírus colhidas em pacientes do Hospital São Paulo, ligado à Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), e confirma o potencial explosivo de espalhamento da nova cepa.
A alta prevalência está citada em estudo colaborativo entre os laboratórios da infectologista Nancy Bellei, da Unifesp, e da virologista Marilda Siqueira, da Fiocruz. O grupo colheu amostras de coronavírus tiradas de 60 pacientes que testaram positivo no hospital nas duas primeiras semanas de março, depois sequenciou o material genético do patógeno. Das amostras colhidas, a equipe conseguiu sequenciar 54, e 44 destas foram identificadas como sendo da variante P.1.
As pesquisadoras conseguiram também fazer uma estimativa da velocidade com que o vírus avança na sua prevalência relativa. A julgar pelos números, elas estimam que ele tenha chegado a São Paulo no início de janeiro, antes do primeiro caso de transmissão comunitária do P.1, no meio de fevereiro.
Projetando os dados para trás é que se estimou um período de 12 semanas para a prevalência de 91% na cidade.
“Da primeira para a segunda semana de março, observamos maior frequência de P.1, de 78,6% para 91,7%”, afirmam as pesquisadoras. Um estudo descrevendo o achado, que tem como autoras principais Gabriela Barbosa, da Unifesp, e Paola Resende, da Fiocruz, foi submetido para publicação em um periódico científico, e passa por revisão independente agora.
“Nossos resultados enfatizam que a variante P.1 se espalhou amplamente por todo o país. Apesar de todas as ações de intervenções, como uso de máscaras, distanciamento físico, redução de viagens aéreas e o bloqueio atualmente estabelecido em São Paulo, as taxas de frequência de P.1 aumentaram significativamente em duas semanas, evidenciando sua rápida disseminação”, continuam.
Além da P.1, as cientistas identificaram duas outras cepas preocupantes circulando em São Paulo. Uma amostra foi identificada como B.1.1.7 (variante que emergiu no Reino Unido) e duas como B.1.1.28, “uma linhagem amplamente difundida durante a primeira onda no Brasil”.
Espalhamento e agressividade
A frequência da P.1 verificada pela Unifesp foi maior do que aquela aferida por um grupo da USP, liderado pela cientistas Ester Sabino, que viu uma presença de 62% da variante na cidade no início de março.
A pesquisa ainda fez um recorte por faixa etária dos pacientes, para tentar entender se a P.1 seria mais predominante nos mais jovens, mas não houve diferença significativa. Os pesquisadores olharam também para a carga viral nos pacientes.
— A gente acredita que a carga viral pode estar associada a uma doença mais agressiva, mas, analisando as amostras, a gente não observou mudanças nisso do ano passado para este — diz Barbosa.
Em outras palavras, o estudo mostra que a P.1 tem uma transmissibilidade maior, mas não necessariamente uma agressividade maior nos infectados.
A Rede Genômica da Fiocruz, que a pesquisadora integra, já encontrou casos de P.1 em 23 das 27 unidades da federação do Brasil. Para entender melhor a dinâmica de crescimento da participação da nova linhagem em cada lugar, pesquisadores estão tentando agora ampliar a quantidade de genomas do vírus sequenciados por mês.
Já está claro para os pesquisadores, porém, que o mês de março terminou com a P.1 dominante em todas as regiões do país.
A conclusão foi tirada de mais de 7.000 genomas sequenciados no Brasil desde o início da pandemia, mas alguns estados ainda têm amostragem muito baixa. Mato Grosso, por exemplo, teve apenas dez genomas de coronavírus sequenciados até agora, enquanto São Paulo teve 1.400.
Vacina e proteção
Para Nancy Bellei, apesar de existirem evidências de que as vacinas CoronaVac e Oxford/AstraZeneca ajudam a prevenir o surgimento de doença grave também no caso da P.1, o fato de ela se mostrar mais transmissível inspira uma necessidade maior de distanciamento social, mesmo para pessoas vacinadas.
A pesquisadora, que monitora os voluntários do teste clínico da vacina de Oxford (profissionais de saúde, em sua maioria), afirma que está mais claro agora que, apesar de proteger contra doença grave, a vacina não parece estar sendo muito eficaz contra a infecção em si.
— A quantidade de pessoas vacinadas que apareceram aqui com doença leve foi igual à da época em que a gente tinha profissionais de saúde com doença leve e não tinham sido vacinados — afirma Bellei, que conclui: — Eu não tenho nenhum paciente aqui que tenha sido vacinado e hospitalizado, mas a carga viral daqueles que aparecem com doença leve é suficiente para transmitir o vírus. A vacina não é um salvo conduto para sair rompendo o distanciamento ou para tirar a máscara.