Em 2021, em 24 estados brasileiros, a pandemia da Covid-19 tem seu ciclo de auge nos óbitos concentrado ao longo de um mês e meio, no outono. Em comparação ao ano passado, quando os picos ocorreram ao longo de quatro meses e meio, há uma temporada de alta mais bem delineada, semelhante à curva da gripe.
Em 2021, porém, a epidemia de Covid-19 está mais grave: nesta segunda-feira (24), o país ultrapassou a marca das 450 mil mortes registradas por Covid, após muitos estados apresentarem queda na mortalidade em relação aos picos atingidos em março e abril.
— Em 2020, a epidemia no Brasil foi assíncrona. Já em 2021 é nítida a sincronia das ondas nos estados — afirma Wanderson de Oliveira, ex-chefe da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde.
Segundo o cientista, em tese, isso implicaria risco menor de uma terceira onda com números maiores do que os observados entre março e abril. Essa sincronia, porém, não significa que fora do período de auge o vírus não possa se estabilizar em níveis relativamente altos e preocupantes.
Como as medidas de distanciamento se afrouxaram mais em 2021, a escalada de casos e mortes para o pico ocorreu de forma mais rápida. Apenas Roraima e Amazonas se anteciparam ao período de sincronia do outono, comportamento típico de gripe na região Norte.
Com os números entrando em queda após abril, diz Oliveira, a curva da epidemia se tornou similar não só à do vírus influenza, mas também à de outros patógenos causadores de síndrome respiratória aguda grave (SRAG), como visto em 2018 e 2019.
Segundo Oliveira, porém, mais do que tentar prever quando será o próximo pico, é preciso aproveitar o atual momento para intensificar os trabalhos de vigilância epidemiológica da Covid-19, que é mais efetiva fora do momento de auge.
— Pico é para contar história. Fora do pico é preciso testar mais ainda, ampliar a política de testagem — diz.
Vacinação anual
Uma das implicações de a Covid-19 estar se desenhando como endemia sazonal, diz o pesquisador, é a necessidade de elaboração de uma campanha nacional anual de vacinação, como aquela feita para a gripe.
No caso da gripe, a imunização periódica é essencial, pois a proteção oferecida pelas vacinas cai com o tempo, e porque a cada ano circulam diferente variantes do vírus influenza. A Covid-19 também está se desdobrando em diferentes variantes, e não está claro ainda se a proteção da vacina será duradoura.
— Ainda é cedo para afirmar, por exemplo, se a vacina de Covid-19 precisará ser reformulada todos os anos, pois o vírus pode apresentar estabilidade em algum momento — diz Oliveira.
Resposta nacional à pandemia é ainda mais crucial
O atual padrão da epidemia no Brasil, ele diz, deveria inspirar mudanças e adequações na política de combate à doença, o que não está ocorrendo.
— Está claro que as estratégias de resposta estão centradas nas mesmas premissas de 2020 — disse.
No contexto de alinhamento, a necessidade de uma coordenação de escala nacional para resposta ao vírus se torna ainda mais importante. Uma crítica comum no meio da saúde é que o governo federal se omitiu da responsabilidade de desenhar essa política e dificultou a coordenação entre estados e municípios.
Um outro motivo para o alinhamento do auge da epidemia em março e abril de 2021, além da chegada do outono, pode ter sido uma reabertura simultânea nacional da economia. A circulação de pessoas, destaca Jesem Orellana, da Fiocruz-Amazonas, aumentou consideravelmente e houve muito contato humano no Réveillon e no Carnaval.
— Esse talvez tenha sido o elemento novo, somado à variante P.1 — diz o epidemiologista, em referência à cepa viral da Covid-19 que emergiu em Manaus.
O rápido espalhamento dessa linhagem mais transmissível do vírus também impulsionou a segunda onda. A capital amazonense, além de ter um calendário de gripe diferente, foi a primeira grande cidade a relaxar medidas de contenção do vírus de maneira expressiva.
— Manaus é um grande laboratório a céu aberto — diz o epidemiologista — Para entender o cenário como um todo, é preciso olhar para a P.1, para os relaxamentos precoces, para a falsa sensação de controle da epidemia e também para a mirrada vacinação no país.
Adaptado ao calor
O epidemiologista Paulo Petry, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, alerta que, mesmo com picos alinhados, a Covid-19 não será um problema só sazonal. Para ele, a alta capacidade de contágio da Covid-19, que supera em muito à do vírus influenza, também pode significar uma mudança significativa nesta equação.
— A sazonalidade dos vírus respiratórios tem ligação com o fato de que, com a temperatura caindo, as pessoas tendem a fechar mais os ambientes, e hoje já sabemos que um dos grandes fatores protetores para o Sars-CoV-2 é a ventilação dos locais fechados — explica.
— Mas esse vírus não mostrou muita dependência climática. É verdade que ele começou no inverno da China e da Europa, mas veio para o Brasil e se espalhou em fevereiro e março de 2020, no verão. A Europa também teve uma grande segunda onda no verão — lembra.
POR Rafael Garcia | OGLOBO