Distanciamento social provoca queda da Covid-19 nos EUA, que aceleram vacinação

Três máscaras, álcool gel, sabonete líquido, lenço umedecido antibacteriano. Há um ano, quando a filha de Helen teve as aulas suspensas, nada disso entrava na mochila da menina de 7 anos. Agora, são itens básicos da volta às aulas. Com a queda no número de casos da Covid-19 nos Estados Unidos — atribuída principalmente a medidas de distanciamento — e agora a aceleração da vacinação, a vida mudou. Mesmo nos estados com mais restrições, crianças voltam às aulas presenciais. A esperança se mistura à ansiedade com a volta à convivência e ao cotidiano do mundo pré-Zoom.

— Ela chegou em casa e declarou que foi o melhor dia da vida dela. Falou que foi chato ter que passar o dia todo de máscara, mas que, depois duas horas, se acostumou — conta Helen Harris, mãe da aluna da primeira série que voltou às aulas presenciais na Virgínia na semana passada. — Dá um certo medo, porque ela vai estar em um ambiente fechado com várias pessoas.

Foram três ondas desde que o vírus chegou aos EUA trazido por um viajante vindo da China, em janeiro do ano passado. Na terceira, o país atingiu meio milhão de mortos pela doença em um ano.

O presidente Joe Biden anunciou nesta semana que haverá doses para todos os adultos que quiserem ser vacinados até o fim de maio, encurtando em dois meses o prazo anunciado inicialmente. O cálculo é que a imunidade de rebanho seja atingida no país por meio da vacinação até meados do ano.

média de doses aplicadas ultrapassou dois milhões por dia na semana passada, contra um milhão há um mês. Mais de 16% dos americanos já receberam a primeira dose, segundo o New York Times, enquanto 8% estão totalmente imunizados. No Brasil, 3,5% da população receberam ao menos uma dose, enquanto apenas 1,1% recebeu as duas.

Depois de um ano de decisões difíceis, como o afastamento da irmã e dos sobrinhos por causa da pandemia, hoje a enfermeira brasileira Ana Carolina Barbalho se sente mais tranquila. Ela tomou a vacina em dezembro.

— Nós, os primeiros a receber, temos aquele alívio de saber que não morreremos mais — diz a enfermeira, que trabalhou em UTIs de Covid na capital, Washington, e em Vermont. — Para mim, foi a vacina da esperança. Na hora eu não chorei porque tinha muita gente, mas no caminho de volta pra casa, chorei muito. Passa um filme na sua cabeça, de cada paciente que você tratou, que teve que segurar a mão.

Quase metade (48%) dos americanos se sentem otimistas hoje, em comparação com 20% no ano passado, segundo pesquisa do Ipsos. Sentimentos de estresse, frustração e raiva diminuíram. Especialistas da área médica também acreditam que os números mostram que o país pode estar mais perto de voltar ao antigo normal.

— Em comparação com o que eu estava sentindo em novembro do ano passado, estou muito otimista — diz o professor de Epidemiologia da Escola de Saúde Pública de Harvard Michael Mina, que acredita que as vacinas não significam que a pandemia chegará ao fim. —O vírus não vai desaparecer, mas vai começar a fazer cada vez menos estrago. Se as pessoas se infectarem, não terão que ser hospitalizadas.

Apesar de ter diminuído, o número de casos ainda é alto. A média está acima de 60 mil por dia, melhor do que os 260 mil diários do início de janeiro, mas não do que a da primeira e da segunda ondas, em 2020, quando a população ainda se mantinha em quarentena mais restrita do que agora. A média de mortes ainda é de quase duas mil por dia.

— Estamos num platô de 60 mil a 70 mil casos por dia. Quando se tem tanta atividade viral em um platô, arrisca-se a ter um novo pico — disse Anthony Fauci , diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas, em entrevista na Casa Branca na sexta.

Ainda não é a vacina

Especialistas acreditam que, apesar do aumento da imunização, a vacina ainda não é o principal agente da queda dos casos. O especialista em doenças infecciosas Tom Frieden afirmou à CNN que distanciamento, máscaras, evitar viagens e não se juntar a outros em ambientes fechados foram medidas de maior impacto.

— Pesquisadores descobriram que as taxas de casos e mortes diminuíram significativamente depois de 20 dias de decretos impondo uso obrigatório de máscaras — disse na Casa Branca a diretora do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), Rochelle Walensky. — E o efeito protetor da obrigação de usar máscaras ficou mais forte com o tempo. Em contraste, as taxas cresceram mais rapidamente nos 40 a 80 dias depois que foi permitido que restaurantes voltassem a servir comida em ambientes fechados.

Como cada vez mais estados anunciam medidas de relaxamento, incluindo o fim do uso obrigatório de máscaras, como no Texas, a preocupação é que a retomada das atividades leve a um novo surto. Fauci afirma que as vacinas não podem ser os únicos instrumentos usados para manter a pandemia sob controle.

— Há outra ferramenta no arsenal: a adesão às medidas de saúde pública. Máscaras, distanciamento, evitar aglomerações, lavar as mãos.

Apesar do otimismo, o medo de uma quarta onda já ocupa o debate nos EUA.

— Infelizmente, eu espero uma quarta onda, agora que muitos estados estão começando a reabrir sem precauções, e variantes mais transmissíveis estão se tornando mais prevalentes — disse ao GLOBO a virologista Angela Rasmussen, da Universidade de Georgetown. — Já estamos começando a ver uma subida nos casos. A questão não é “vai haver uma quarta onda?” e sim “quão grande ela vai ser?”. Espero que seja mais uma marola do que uma tsunami.

Vacinas em mercados e farmácias

Apesar de o sistema de saúde pública nos Estados Unidos ser limitado, as vacinas para a Covid-19 são totalmente cobertas por planos de saúde ou pelo governo. A autorização para a comercialização das vacinas parte do governo federal, mas a maior parte da distribuição das doses que vêm sendo distribuídas desde dezembro foi feita pelos governos estaduais.

 As vacinas são oferecidas em locais como supermercados, shoppings e grandes lojas. Dependendo do estado, ela também passou a ser oferecida em farmácias. Para qualquer caso, costuma ser exigido agendamento prévio, embora vacinas que tenham sobrado no fim do dia possam ser administradas em quem estiver passando na rua naquele momento.

Uma das promessas do presidente Joe Biden era trazer para a esfera federal a responsabilidade pela distribuição, usando galpões da Agência Federal de Gestão de Emergências (Fema, na sigla em inglês) para implementar centros de vacinação em massa.

Na última sexta-feira, o governo americano anunciou a abertura de dois novos galpões de vacinação da Fema em bairros mais atingidos pela Covid-19, e hoje são 18 no total.

A lista de prioridade da vacina variou de acordo com o estado — gerou polêmica a decisão do estado de Nova Jersey de incluir entre os grupos prioritários para a vacinação os fumantes, sem que fosse exigida a comprovação do hábito.

O Centro de Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês) publicou uma lista não obrigatório de “recomendação de grupos prioritários”, começando pelos trabalhadores da área da saúde e moradores de casas de repouso, depois adultos maiores de 75 anos e trabalhadores essenciais e, por último, adultos com doenças de ato risco e entre 65 a 74 anos

POR Paola de Orte, especial para O Globo